Thursday, April 16, 2009

Marraquexe, o império dos sentidos


Ruben Obadia*


“Que pena que já não possas ver mais

as muralhas vermelhas de Marraquexe

e a multidão que ao teu lado caminha

na porta de Essaouira


Que pena que já não vejas

as jacarandás, as roseiras, as buganvílias dos jardins

que não oiças o som da água nas fontes

que não escutes o silêncio dos pátios

que não vejas as estrelas nos terraços


Que pena que já não possas alisar com a mão

os azulejos do Palácio Bahia

Que pena que não vejas todas as coisas que amávamos

que não caminhes, não sintas, não te percas

em Marraquexe - a mais bela das cidades do Sul."


O poema foi encontrado escrito em berbere numa tábua de madeira num quarto de um antigo riad e ilustra bem as paixões que Marraquexe desperta. Apesar de tudo, quem a visita pela primeira vez, estranha-a, acha-a ameaçadora. Com o passar dos dias, o sentimento inicial vai-se esbatendo à medida que nos vamos familiarizando com uma cidade que vive em aparente anarquia e disso faz gala. Á medida que nos perdemos no interior da Medina, por entre um labiríntico emaranhado de ruelas e becos, apanhamos o pulso o pulso à capital do Sul de Marrocos. Depois há o cheiro das especiarias sempre presente, as cores que misturam o azul berbere com o verde marroquino, os sons dos burros que passam ou dos negociantes em plena actividade, o olhar fugidio das marroquinas que passam escondidas por detrás do véu.Marraquexe é muito mais que isto. É uma cidade de fusão, onde se assiste a sinais evidentes de concessão ao ocidente sem nunca perder de vista a sua identidade. O tradicional convive bem com a sofisticação, novas discotecas, restaurantes e hotéis de charme abrem a um ritmo frenético e emprestam-lhe uma atmosfera cosmopolita.


Há também ali algo das “mil e uma noites”, de misterioso, que nos remete para um autêntico cenário lendário, onde passamos a ser intervenientes por direito próprio.
A cidade começou a tomar forma no século XI e começou por um imenso palmeiral, conhecido por Palmeraie, e que hoje alberga condomínios de luxo e mansões das arábias. Curiosamente, reza a lenda que o fundador da cidade, Youssef ben Tachfine, e os seus soldados, ali estabeleceram um acampamento, alimentando-se de tâmaras oriundas do Atlas. Os caroços eram cuspidos para o chão e, deste acto involuntário, terão brotado milhares de palmeiras que ainda hoje ali perduram. E foi graças às palmeiras que Marraquexe floresceu, já que o extenso oásis que ali nasceu acabou por atrair as inúmeras caravanas de camelos do Sul.A cidade tem uma cor inconfundível, vermelha, a que se deve o seu cognome de Cité Rouge. Elemento distintivo é a extensa muralha (com 12 kms) que a custo tenta conter o rebuliço da Medina. É neste local aliás que estão concentrados a maioria dos monumentos de Marraquexe.

O esplendor da Djemaa el-Fna
O melhor conselho a dar a quem pretende visitar pela primeira vez a cidade é começar pela majestosa praça Djemaa el-Fna, bem no centro da medina. Assistir ao pôr do sol em plena Djemaa, sentado no terraço de um dos inúmeros cafés que circundam a praça enquanto bebe um típico e adocicado chã verde com hortelã, é contemplar um espectáculo digno de um qualquer filme do Indiana Jones. É fácil perceber de onde veio a inspiração. No local, com uma dimensão quatro vezes maior que o nosso Terreiro do Paço, assiste-se a uma miríade de cenas e espectáculos. Dos vendedores de fruta, com destaque para as laranjas e tâmaras, a uma tenda gigante onde centenas de personagens cozinham uma variedade de iguarias onde a gordura é dona e senhora. E depois há os espectáculos, imperdíveis. Míticos encantadores de serpentes, macacos amestrados a posar para as fotos, tatuadoras de henna, malabaristas, músicos, contadores de histórias, disputas de boxe e mesmo curandeiros. Tudo tem um custo em dirhams (a moeda local, 1 € = 11 MD) e o simples apontar curioso de uma pouco ameaçadora máquina fotográfica digital pode dar direito a uma discussão interminável. A regra é: perguntar primeiro, fotografar depois.Na ponta do sudoeste da praça localiza-se a distinta mesquita Koutubla, embora a sua beleza só possa ser admirada por quem professa a religião de Maomet. A nós resta-nos olhar de fora e sonhar com o que se esconde por trás daquelas portas. Já na zona Norte da Djemaa el-Fna é possível mergulhar no absurdo mundo dos mercados, os mágicos souks. Prepare a sua paciência porque espera-o uma batalha negocial para adquirir a mais insignificante peça de artesanato local. Não há volta a dar, os marroquinos gostam de negociar e elevam a coisa ao patamar de arte teatral. Na realidade, no novelo de ruelas que vão até à imponente madrassa Ali Ibn Yusuf, antiga escola corânica, é possível encontrar de tudo e para todos os gostos. Tecidos, lenços, bijutaria, antiguidades, instrumentos musicais, ourives, são apenas alguns exemplos.Ali, ser português é vantagem ou não fossemos nós do país do “Cristiano Ronaldo e do Porto do Tariq”.Há também quem nos conheça, estranhamente, por outra característica: o de sermos o povo do sorriso!


Os monumentos obrigatórios
Entre os monumentos de visita obrigatória encontra-se a Ménara, um vasto jardim, com oliveiras centenárias, irrigado por um enorme lago, onde se encontra um elegante pavilhão construído em 1870 pelos Saadianos; o Palácio da Bahia, construído em 1880 a mando de Ba Ahmed, grande vizir do sultão; os Túmulos Saadianos, um jardim-cemitério que abriga as tumbas dos reis saadianos e suas famílias ali enterrados a partir do século XVI; o Palácio El Badi, concluído em 1603 pelo sultão Ahmed El Mansour, que é considerado uma jóia da arte islâmica. No seu tempo ganhou fama de ser um dos palácios mais belos do mundo, também conhecido como “o incomparável” e, apesar do que se observa hoje ser apenas uma parte do total, é fácil imaginar a sua magnificência. Finalmente, aconselha-se um passeio pelo Jardim Majorelle e entrada no Museu de Arte Islâmica. Em excelente estado de conservação, ao contrário de muitos dos monumentos anteriores, o jardim oferece uma inspiradora e relaxante experiência, dada a variedade de lagos, plantas e aves, assim como o edifício ícone de Jacques Majorelle, com o seu azul como marca de água. Actualmente o Jardim Majorelle é propriedade do conhecido estilista Yves Saint Laurent.O nome da estrela da moda surgir associado a Marraquexe só pode causar estranheza aos mais incautos. A realidade é que a cidade está na moda, sendo local de férias para muitos famosos de Hollywood que ali compraram casa, bem como inúmeras famílias francesas da classe média que adquiriram e recuperaram riads na cidade.Ao nível da gastronomia, o cuscuz de borrego ou de vegetais, a tangine ou a pastilla são imperdíveis mas não aconselhados para estômagos sensíveis. Os vinhos são de boa qualidade, uma herança da colonização francesa. E restaurantes de qualidade são algo que abunda em Marraquexe, desde os mais modernos aos clássicos, instalados em riads primorosamente recuperados.Também na noite, há bares e discotecas para todos os gostos, mas o destaque vai para o Pacha Marrakech, em plena avenida Mohamed VI. Para além da sua impressionante dimensão, o local, que reúne uma discoteca, um bar e três restaurantes, é da autoria do arquitecto português Miguel Câncio.


*O jornalista viajou a convite do Turismo de Marrocos

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